FILIPENSES 1: 23
INTRODUÇÃO
Neste versículo o apóstolo Paulo oferece uma explicação mais exata para o que havia acabado de falar nos dois versos anteriores. No versículo 21 ele menciona um ganho que haveria de obter com a sua morte. No verso 22 afirma que este ganho através da morte gerava em seu espírito uma divisão. O que o dividia por um lado era o desejo de obter esse “lucro” pela morte, e, por outro lado, o anelo de servir a Cristo.
Quando chega ao verso 23 o apóstolo Paulo explica com muita clareza o porquê da morte ser vista por ele como um lucro. Muito embora esse ganho não eliminasse o desejo de continuar servindo a Cristo em vida, por outro lado gerava uma tensão inevitável da qual o apóstolo Paulo não conseguia se livrar. Que prazer rivalizava em sua alma com o prazer de servir a Cristo e sua igreja? Ele acreditava que a morte haveria de remetê-lo para uma nova relação com Cristo. Uma comunhão que ele até então não podia experimentar. Algo incomparavelmente melhor do que a própria vida cristã.
DOUTRINA: A ALMA REGENERADA ANELA PELO PRAZER DE NATUREZA ESPIRITUAL PROPORCIONADO PELA PRESENÇA DE CRISTO.
PERGUNTA-CHAVE: O QUE É O PRAZER DE NATUREZA ESPIRITUAL ATRAVÉS DE CRISTO?
1. É O PRAZER ESPIRITUAL EXPERIMENTADO PELA ALMA REGENERADA QUANDO ESTA SE VÊ PERANTE O OBJETO DO SEU MAIOR AMOR.
Neste verso o apóstolo Paulo lança grande quantidade de luz sobre o tema antropologia. A Bíblia ensina que a existência do homem e dicotômica. O homem feito à imagem e semelhança de Deus possuiu uma alma e um corpo. O corpo é o instrumento mediante o qual a alma se expressa. Esta relação do espírito humano com o corpo tem levado ao longo dos séculos centenas de pensadores a se dedicarem à tarefa de saber como se dá este relacionamento. A questão central é: de que maneira a alma interage com o corpo?
O que o apóstolo Paulo revela nesta passagem é que a alma pode ter vida independente do corpo. Há um viver na carne (v.22), e, há um viver fora da carne. Esta é a primeira verdade sobre o estudo da antropologia cristã que aprendemos nesta passagem. Deus criou o homem corpo e espírito. E, muito embora, o corpo não possa ter vida independente do espírito, o espírito humano pode ter vida independente do corpo. O apóstolo Paulo fala de um partir da vida que é ligada ao corpo a fim de se poder alcançar uma vida estritamente espiritual e extra-mundana.
O mais importante nesta descoberta acerca da antropologia bíblica não é apenas o fato de que o espírito pode ter vida independente do corpo, mas a asserção de que o homem pode ter um prazer independente do prazer físico. O apóstolo Paulo fala de um desejo por uma experiência incomparavelmente melhor do que tudo o que esta vida pode oferecer, a ser vivida de um modo puramente espiritual.
Agostinho:
E me indagava: se fôssemos imortais e vivêssemos num perpétuo prazer do corpo, sem temor de perdê-lo, por que não seríamos felizes? Que coisa seria preciso procurar? Eu não estava percebendo que nisso consistia a minha miséria. Imerso no vício e cego como estava, não conseguia pensar no esplendor da luz e da beleza, desejáveis por si mesmas, invisíveis aos olhos do corpo e só percebidas no íntimo da alma.[1]
Sendo assim, percebemos que existem prazeres físicos e prazeres espirituais. A Bíblia nos apresenta o homem como um ser capaz de obter nesta vida com a ajuda de Deus uma infinidade de prazeres físicos. Há promessas nas Escrituras que nos dão conta do interesse de Deus em satisfazer os desejos do corpo. Vemos estas promessas de um modo especial no Antigo Testamento.
Há prazeres, no entanto, que são de cunho eminentemente espiritual. Há o prazer estético, por exemplo. A emoção espiritual de se estar diante do que é belo. Há o prazer de cunho intelectual, que tem a ver com a alegria da descoberta da verdade. E há o prazer teológico, que corresponde ao gozo de se ver na presença do que é perfeitamente pessoal, verdadeiro e belo.
Agostinho:
De fato, nenhum espírito pôde ou poderá jamais imaginar algo melhor que tu, supremo e perfeito bem. Sendo absolutamente certo e verdadeiro que o incorruptível é preferível ao corruptível (como eu já admitia), eu poderia, caso não fosses incorruptível, atingir com o pensamento algo mais perfeito do que o meu Deus.[2]
Um outro ponto merece destaque. O texto nos fala de um homem que passou por uma poderosa obra de transformação pessoal (At 9), a ponto de desejar aquilo pelo que não se interessava e desconhecia. Há prazeres que estão ao alcance de todos, mas há prazeres que somente a alma regenerada pode obter.
2. É O PRAZER EXPERIMENTADO PELA ALMA REGENERADA QUANDO ESTÁ NA PRESENÇA DE CRISTO.
Há prazeres diversos de natureza espiritual. Mas, do ponto de vista cristão nenhum destes satisfaz plenamente a alma humana se não estiver vinculado à pessoa de Cristo.
O homem sem Cristo é incapaz de reconhecer esta demanda da sua alma. Por isto, ora se dedica com afinco à porção animal da sua vida, pensando que a vida se resume ao mundo dos sentidos. Em muitas ocasiões, entrega-se à prazeres mais sofisticados. Estes podem ser de natureza intelectual, ou artística. Não importa. O fato é que muito embora o homem possa viver sem reconhecer que seu espírito não encontra descanso enquanto não descansa em Deus, não é capaz de matar inteiramente o anelo mais básico de sua alma. Este desejo eterno relaciona-se a necessidade visceral de ter um objeto perfeito de contemplação. Uma contemplação que ao mesmo tempo satisfaça e que ao mesmo tempo experimenta a certeza de que está diante de algo que não se exaure jamais.
A alma regenerada sabe tanto qual a sua origem quanto qual o seu destino. Sabe que foi feita por Deus e para Deus, e, por isto sabe que não encontra descanso enquanto não descansa em Deus. Sendo assim, vive em busca da satisfação proveniente da chamada visão beatífica.
O que é essencialmente cristão neste desejo da alma regenerada é o laço estreito com a pessoa de Cristo. A alma cristã anela por contemplar o Deus que está em Cristo e que Cristo revelou. O apóstolo Paulo não fala sobre estar com Deus, mas estar com Cristo.
Por que estar com Cristo é tão essencial assim para o cristão? O cristão é alguém que não ousa se aproximar de Deus sem Cristo. Foi em Cristo que o cristão perdeu a fobia de Deus. E, tudo o que ele vê em Cristo o comove. Em Cristo o cristão pôde encontrar plena satisfação para o grave problema do pecado. E esta satisfação é profundamente reveladora dos atributos de Deus. A harmonia existente entre o Cristo-Cordeiro e o Cristo-Leão fascina o crente.
Estar com Cristo é estar na companhia do mais excelente objeto de contemplação do espírito humano. Nele o homem contempla toda a harmonia dos atributos perfeitos de Deus. Porém, há algo mais, pois embora contemplar o que é excelente por si só já se constitua em prazer infinito, contemplar o que é perfeito e que elegeu como objeto do seu amor aquele que extasiado o contempla, é a plenitude da alegria da alma regenerada.
Podemos compreender, deste modo, porque somente os regenerados podem ter este prazer. Este prazer é de natureza moral. Resulta do amor por aquilo que é santo. E, não apenas isto, mas de igual modo o amor pelo que é santo acompanhado da gratidão pela redenção.
3. É O PRAZER EXPERIMENTADO PELA ALMA REGENERADA NOS SEUS DIFERENTES GRAUS DE PROXIMIDADE A CRISTO.
Pode-se observar com muita clareza que o apóstolo Paulo fala de um prazer que ele já possuía em uma certa medida: “tendo o desejo...”. E, do mesmo modo de uma insatisfação: “tendo o desejo de partir...”. Aqui a maldição à qual, segundo Pascal, a raça humana sem Cristo está sujeita é completamente quebrada. Para o grande pensador cristão francês a tragédia do homem sem Deus consiste em perceber sua desgraça e ao mesmo tempo conceber algo melhor, porém inalcançável. O apóstolo Paulo podia a partir de uma condição de vida excelente contemplar uma vida melhor ainda, e que poderia ser alcançada a qualquer momento por via da morte.
Deste modo, aprendemos que a alegria de natureza espiritual pode ser experimentada pelo crente numa certa medida na terra. Porém, sempre amalgamada a muita imperfeição. Nesta presente vida o crente pode adorar o Cristo que o salvou. Servi-lo através da consagração da sua vida à expansão do seu reino. E, como podemos acabar de perceber, meditar sobre o céu. Estes são os principais deleites espirituais da alma regenerada.
Existe, contudo, o prazer que a alma haverá de experimentar no céu. Este prazer trata-se do estágio mais elevado da comunhão do crente com Cristo. As principais promessas das Escrituras Sagradas apontam para a chegada deste dia.
APLICAÇÃO
1. TODOS NÓS DEVERÍAMOS NOS CONCENTRAR DE MODO MAIS CONSTANTE E RESOLUTO NOS PRAZERES DE NATUREZA ESPIRITUAL.
O apóstolo Paulo via como desejável uma vida sem os prazeres do corpo. Sabia que tinha um espírito e que havia também prazeres de natureza espiritual. A nós só nos cabe não permitir jamais que deixemos de viver como homens. Temos certamente, mais do que língua, mãos, nariz, ouvidos e olhos. Fomos criados a imagem e semelhança de Deus! Temos uma alma, que pode ter vida sem o corpo e desfrutar de prazeres essencialmente espirituais.
Por isto, deveríamos separar mais tempo em nossa vida para orar, ler a Bíblia, conversar sobre a fé, servir o Senhor, adorá-lo nas suas assembléias santas e separar momentos para a solitude.
Agostinho:
Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz.[3]
Quanto tempo de nossa vida dedicamos ao cultivo do espírito?
Agostinho:
Para qualquer parte que se volte a alma humana, se não se fixa em ti, se agarra à dor, ainda que se detenha nas belezas que estão fora de ti e fora de si mesmas. Estas nada teriam de belo, se não proviessem de ti. Nascem e morrem: nascendo, começam a existir e a crescer para chegar à maturidade; porém, uma vez maduras, decaem e morrem. Nem tudo envelhece, mas tudo morre. Portanto, no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser.[4]
2. TODOS NÓS DEVERÍAMOS CONHECER AQUILO PELO QUE ANELA O CORAÇÃO REGENERADO.
Você só funcionará como crente quando conhecer melhor a si mesmo. Você precisa de perceber que tem uma alma. Se esta alma é regenerada, você é alguém que depende duas vezes de Deus. Primeiro, por ser homem. Segundo, por se crente. Por um lado, você experimenta o anelo pelo sagrado, santo e perfeito que todo o ser humano conscientemente ou não prova no seu coração. Mas, por outro lado, você nasceu de novo, e, agora, é alguém que sabe que estar na presença de Cristo é a principal vocação de sua vida.
Amigo, se você não dedicar tempo a esta busca sua vida caíra no vazio. Se você não entende o que estou falando, se essa linguagem lhe é estranha, você talvez careça de regeneração. Você está espiritualmente morto. Mas, se você é crente, peca contra sua própria alma ao privá-la daquilo para o que ela foi criada.
Agostinho: “Que sou eu aos teus olhos, para que me ordenes amar-te e, se eu não o fizer, te indignares e me ameaçares com imensas desventuras? Como se o não te amar fosse desgraça pequena!”[5]
3. TODOS NÓS DEVERÍAMOS BUSCAR DE TODO NOSSO CORAÇÃO UMA VIDA DE MAIOR PROXIMIDADE A CRISTO.
Saiba o que você deve procurar. Não procure dons. Não procure milagres. Não procure anjos. Não procure visões. Procure a Cristo. Separe tempo para ler os evangelhos. Medite sobre o pacto da redenção, quando o Pai e o Filho decidiram redimi-lo na eternidade. Traga sua memória os fatos relacionados à sua vida, morte, ressurreição e ascensão. Pense no grande amor que ele manifestou por você. E, peça a Deus que ele lhe dê mais de Cristo (Efésios 3).
4. TODOS NÓS DEVERÍAMOS MEDITAR DIARIAMENTE SOBRE AS ALEGRIAS DO ESTADO INTERMEDIÁRIO DA ALMA DO CRENTE.
O texto que acabamos de ler fala sobre aquilo que os teólogos chamam de estado intermediário. O que acontecerá com a nossa alma quando o nosso corpo descer à sepultura? A Bíblia responde com absoluta clareza. Estaremos com Cristo. Medite todos os dias sobre o céu.
A lembrança das alegrias celestiais aliviará sua carga, tornará sua vida mais generosa, seu labor mais resoluto e sua morte mais suave.
CONCLUSÃO
O crente é alguém que sabe que possui uma alma, e que por isto é dotado da capacidade de obter prazer de natureza espiritual. Deus garante na sua palavra que o crente haverá de obter um dia a plenitude de tudo aquilo que sua alma anela. Estar com Cristo é o destino do crente.
Agostinho:
Em nenhuma dessas realidades que percorro, e sobre as quais te consulto, encontro lugar seguro para a minha alma, senão em ti. Somente em ti posso reunir todos os pensamentos dispersos, e nada de mim se afasta de ti. E tu às vezes me introduzes num sentimento interior totalmente desconhecido, inexplicavelmente doce; tal sentimento, se atingisse dentro de mim a plenitude, tornar-se-ia algo certamente não pertencente a esta vida. [6]
©ANTONIO CARLOS COSTA
IGREJA PRESBITERIANA DA BARRA
RIO DE JANEIRO-8/7/06
INTRODUÇÃO
Neste versículo o apóstolo Paulo oferece uma explicação mais exata para o que havia acabado de falar nos dois versos anteriores. No versículo 21 ele menciona um ganho que haveria de obter com a sua morte. No verso 22 afirma que este ganho através da morte gerava em seu espírito uma divisão. O que o dividia por um lado era o desejo de obter esse “lucro” pela morte, e, por outro lado, o anelo de servir a Cristo.
Quando chega ao verso 23 o apóstolo Paulo explica com muita clareza o porquê da morte ser vista por ele como um lucro. Muito embora esse ganho não eliminasse o desejo de continuar servindo a Cristo em vida, por outro lado gerava uma tensão inevitável da qual o apóstolo Paulo não conseguia se livrar. Que prazer rivalizava em sua alma com o prazer de servir a Cristo e sua igreja? Ele acreditava que a morte haveria de remetê-lo para uma nova relação com Cristo. Uma comunhão que ele até então não podia experimentar. Algo incomparavelmente melhor do que a própria vida cristã.
DOUTRINA: A ALMA REGENERADA ANELA PELO PRAZER DE NATUREZA ESPIRITUAL PROPORCIONADO PELA PRESENÇA DE CRISTO.
PERGUNTA-CHAVE: O QUE É O PRAZER DE NATUREZA ESPIRITUAL ATRAVÉS DE CRISTO?
1. É O PRAZER ESPIRITUAL EXPERIMENTADO PELA ALMA REGENERADA QUANDO ESTA SE VÊ PERANTE O OBJETO DO SEU MAIOR AMOR.
Neste verso o apóstolo Paulo lança grande quantidade de luz sobre o tema antropologia. A Bíblia ensina que a existência do homem e dicotômica. O homem feito à imagem e semelhança de Deus possuiu uma alma e um corpo. O corpo é o instrumento mediante o qual a alma se expressa. Esta relação do espírito humano com o corpo tem levado ao longo dos séculos centenas de pensadores a se dedicarem à tarefa de saber como se dá este relacionamento. A questão central é: de que maneira a alma interage com o corpo?
O que o apóstolo Paulo revela nesta passagem é que a alma pode ter vida independente do corpo. Há um viver na carne (v.22), e, há um viver fora da carne. Esta é a primeira verdade sobre o estudo da antropologia cristã que aprendemos nesta passagem. Deus criou o homem corpo e espírito. E, muito embora, o corpo não possa ter vida independente do espírito, o espírito humano pode ter vida independente do corpo. O apóstolo Paulo fala de um partir da vida que é ligada ao corpo a fim de se poder alcançar uma vida estritamente espiritual e extra-mundana.
O mais importante nesta descoberta acerca da antropologia bíblica não é apenas o fato de que o espírito pode ter vida independente do corpo, mas a asserção de que o homem pode ter um prazer independente do prazer físico. O apóstolo Paulo fala de um desejo por uma experiência incomparavelmente melhor do que tudo o que esta vida pode oferecer, a ser vivida de um modo puramente espiritual.
Agostinho:
E me indagava: se fôssemos imortais e vivêssemos num perpétuo prazer do corpo, sem temor de perdê-lo, por que não seríamos felizes? Que coisa seria preciso procurar? Eu não estava percebendo que nisso consistia a minha miséria. Imerso no vício e cego como estava, não conseguia pensar no esplendor da luz e da beleza, desejáveis por si mesmas, invisíveis aos olhos do corpo e só percebidas no íntimo da alma.[1]
Sendo assim, percebemos que existem prazeres físicos e prazeres espirituais. A Bíblia nos apresenta o homem como um ser capaz de obter nesta vida com a ajuda de Deus uma infinidade de prazeres físicos. Há promessas nas Escrituras que nos dão conta do interesse de Deus em satisfazer os desejos do corpo. Vemos estas promessas de um modo especial no Antigo Testamento.
Há prazeres, no entanto, que são de cunho eminentemente espiritual. Há o prazer estético, por exemplo. A emoção espiritual de se estar diante do que é belo. Há o prazer de cunho intelectual, que tem a ver com a alegria da descoberta da verdade. E há o prazer teológico, que corresponde ao gozo de se ver na presença do que é perfeitamente pessoal, verdadeiro e belo.
Agostinho:
De fato, nenhum espírito pôde ou poderá jamais imaginar algo melhor que tu, supremo e perfeito bem. Sendo absolutamente certo e verdadeiro que o incorruptível é preferível ao corruptível (como eu já admitia), eu poderia, caso não fosses incorruptível, atingir com o pensamento algo mais perfeito do que o meu Deus.[2]
Um outro ponto merece destaque. O texto nos fala de um homem que passou por uma poderosa obra de transformação pessoal (At 9), a ponto de desejar aquilo pelo que não se interessava e desconhecia. Há prazeres que estão ao alcance de todos, mas há prazeres que somente a alma regenerada pode obter.
2. É O PRAZER EXPERIMENTADO PELA ALMA REGENERADA QUANDO ESTÁ NA PRESENÇA DE CRISTO.
Há prazeres diversos de natureza espiritual. Mas, do ponto de vista cristão nenhum destes satisfaz plenamente a alma humana se não estiver vinculado à pessoa de Cristo.
O homem sem Cristo é incapaz de reconhecer esta demanda da sua alma. Por isto, ora se dedica com afinco à porção animal da sua vida, pensando que a vida se resume ao mundo dos sentidos. Em muitas ocasiões, entrega-se à prazeres mais sofisticados. Estes podem ser de natureza intelectual, ou artística. Não importa. O fato é que muito embora o homem possa viver sem reconhecer que seu espírito não encontra descanso enquanto não descansa em Deus, não é capaz de matar inteiramente o anelo mais básico de sua alma. Este desejo eterno relaciona-se a necessidade visceral de ter um objeto perfeito de contemplação. Uma contemplação que ao mesmo tempo satisfaça e que ao mesmo tempo experimenta a certeza de que está diante de algo que não se exaure jamais.
A alma regenerada sabe tanto qual a sua origem quanto qual o seu destino. Sabe que foi feita por Deus e para Deus, e, por isto sabe que não encontra descanso enquanto não descansa em Deus. Sendo assim, vive em busca da satisfação proveniente da chamada visão beatífica.
O que é essencialmente cristão neste desejo da alma regenerada é o laço estreito com a pessoa de Cristo. A alma cristã anela por contemplar o Deus que está em Cristo e que Cristo revelou. O apóstolo Paulo não fala sobre estar com Deus, mas estar com Cristo.
Por que estar com Cristo é tão essencial assim para o cristão? O cristão é alguém que não ousa se aproximar de Deus sem Cristo. Foi em Cristo que o cristão perdeu a fobia de Deus. E, tudo o que ele vê em Cristo o comove. Em Cristo o cristão pôde encontrar plena satisfação para o grave problema do pecado. E esta satisfação é profundamente reveladora dos atributos de Deus. A harmonia existente entre o Cristo-Cordeiro e o Cristo-Leão fascina o crente.
Estar com Cristo é estar na companhia do mais excelente objeto de contemplação do espírito humano. Nele o homem contempla toda a harmonia dos atributos perfeitos de Deus. Porém, há algo mais, pois embora contemplar o que é excelente por si só já se constitua em prazer infinito, contemplar o que é perfeito e que elegeu como objeto do seu amor aquele que extasiado o contempla, é a plenitude da alegria da alma regenerada.
Podemos compreender, deste modo, porque somente os regenerados podem ter este prazer. Este prazer é de natureza moral. Resulta do amor por aquilo que é santo. E, não apenas isto, mas de igual modo o amor pelo que é santo acompanhado da gratidão pela redenção.
3. É O PRAZER EXPERIMENTADO PELA ALMA REGENERADA NOS SEUS DIFERENTES GRAUS DE PROXIMIDADE A CRISTO.
Pode-se observar com muita clareza que o apóstolo Paulo fala de um prazer que ele já possuía em uma certa medida: “tendo o desejo...”. E, do mesmo modo de uma insatisfação: “tendo o desejo de partir...”. Aqui a maldição à qual, segundo Pascal, a raça humana sem Cristo está sujeita é completamente quebrada. Para o grande pensador cristão francês a tragédia do homem sem Deus consiste em perceber sua desgraça e ao mesmo tempo conceber algo melhor, porém inalcançável. O apóstolo Paulo podia a partir de uma condição de vida excelente contemplar uma vida melhor ainda, e que poderia ser alcançada a qualquer momento por via da morte.
Deste modo, aprendemos que a alegria de natureza espiritual pode ser experimentada pelo crente numa certa medida na terra. Porém, sempre amalgamada a muita imperfeição. Nesta presente vida o crente pode adorar o Cristo que o salvou. Servi-lo através da consagração da sua vida à expansão do seu reino. E, como podemos acabar de perceber, meditar sobre o céu. Estes são os principais deleites espirituais da alma regenerada.
Existe, contudo, o prazer que a alma haverá de experimentar no céu. Este prazer trata-se do estágio mais elevado da comunhão do crente com Cristo. As principais promessas das Escrituras Sagradas apontam para a chegada deste dia.
APLICAÇÃO
1. TODOS NÓS DEVERÍAMOS NOS CONCENTRAR DE MODO MAIS CONSTANTE E RESOLUTO NOS PRAZERES DE NATUREZA ESPIRITUAL.
O apóstolo Paulo via como desejável uma vida sem os prazeres do corpo. Sabia que tinha um espírito e que havia também prazeres de natureza espiritual. A nós só nos cabe não permitir jamais que deixemos de viver como homens. Temos certamente, mais do que língua, mãos, nariz, ouvidos e olhos. Fomos criados a imagem e semelhança de Deus! Temos uma alma, que pode ter vida sem o corpo e desfrutar de prazeres essencialmente espirituais.
Por isto, deveríamos separar mais tempo em nossa vida para orar, ler a Bíblia, conversar sobre a fé, servir o Senhor, adorá-lo nas suas assembléias santas e separar momentos para a solitude.
Agostinho:
Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz.[3]
Quanto tempo de nossa vida dedicamos ao cultivo do espírito?
Agostinho:
Para qualquer parte que se volte a alma humana, se não se fixa em ti, se agarra à dor, ainda que se detenha nas belezas que estão fora de ti e fora de si mesmas. Estas nada teriam de belo, se não proviessem de ti. Nascem e morrem: nascendo, começam a existir e a crescer para chegar à maturidade; porém, uma vez maduras, decaem e morrem. Nem tudo envelhece, mas tudo morre. Portanto, no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser.[4]
2. TODOS NÓS DEVERÍAMOS CONHECER AQUILO PELO QUE ANELA O CORAÇÃO REGENERADO.
Você só funcionará como crente quando conhecer melhor a si mesmo. Você precisa de perceber que tem uma alma. Se esta alma é regenerada, você é alguém que depende duas vezes de Deus. Primeiro, por ser homem. Segundo, por se crente. Por um lado, você experimenta o anelo pelo sagrado, santo e perfeito que todo o ser humano conscientemente ou não prova no seu coração. Mas, por outro lado, você nasceu de novo, e, agora, é alguém que sabe que estar na presença de Cristo é a principal vocação de sua vida.
Amigo, se você não dedicar tempo a esta busca sua vida caíra no vazio. Se você não entende o que estou falando, se essa linguagem lhe é estranha, você talvez careça de regeneração. Você está espiritualmente morto. Mas, se você é crente, peca contra sua própria alma ao privá-la daquilo para o que ela foi criada.
Agostinho: “Que sou eu aos teus olhos, para que me ordenes amar-te e, se eu não o fizer, te indignares e me ameaçares com imensas desventuras? Como se o não te amar fosse desgraça pequena!”[5]
3. TODOS NÓS DEVERÍAMOS BUSCAR DE TODO NOSSO CORAÇÃO UMA VIDA DE MAIOR PROXIMIDADE A CRISTO.
Saiba o que você deve procurar. Não procure dons. Não procure milagres. Não procure anjos. Não procure visões. Procure a Cristo. Separe tempo para ler os evangelhos. Medite sobre o pacto da redenção, quando o Pai e o Filho decidiram redimi-lo na eternidade. Traga sua memória os fatos relacionados à sua vida, morte, ressurreição e ascensão. Pense no grande amor que ele manifestou por você. E, peça a Deus que ele lhe dê mais de Cristo (Efésios 3).
4. TODOS NÓS DEVERÍAMOS MEDITAR DIARIAMENTE SOBRE AS ALEGRIAS DO ESTADO INTERMEDIÁRIO DA ALMA DO CRENTE.
O texto que acabamos de ler fala sobre aquilo que os teólogos chamam de estado intermediário. O que acontecerá com a nossa alma quando o nosso corpo descer à sepultura? A Bíblia responde com absoluta clareza. Estaremos com Cristo. Medite todos os dias sobre o céu.
A lembrança das alegrias celestiais aliviará sua carga, tornará sua vida mais generosa, seu labor mais resoluto e sua morte mais suave.
CONCLUSÃO
O crente é alguém que sabe que possui uma alma, e que por isto é dotado da capacidade de obter prazer de natureza espiritual. Deus garante na sua palavra que o crente haverá de obter um dia a plenitude de tudo aquilo que sua alma anela. Estar com Cristo é o destino do crente.
Agostinho:
Em nenhuma dessas realidades que percorro, e sobre as quais te consulto, encontro lugar seguro para a minha alma, senão em ti. Somente em ti posso reunir todos os pensamentos dispersos, e nada de mim se afasta de ti. E tu às vezes me introduzes num sentimento interior totalmente desconhecido, inexplicavelmente doce; tal sentimento, se atingisse dentro de mim a plenitude, tornar-se-ia algo certamente não pertencente a esta vida. [6]
©ANTONIO CARLOS COSTA
IGREJA PRESBITERIANA DA BARRA
RIO DE JANEIRO-8/7/06
Nenhum comentário:
Postar um comentário