I. INTRODUÇÃO
Recentemente o Dr. Alderi S. Matos professor de História da Igreja do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper apresentou ao mundo acadêmico brasileiro e norte-americano a vida do Reverendo Erasmo Braga. Trata-se de uma tese de doutorado. Sua obra revela entre outras coisas que no ínicio do século passado já havia no Brasil um ministro preocupado com o cumprimento da missão integral da igreja. Alguém que ansiava por ver os valores do protestantismo histórico se espalhando por todo o país concomitantemente a uma ampla obra de evangelização. Se mais ministros neste país nos dias de hoje tivessem as preocupações de Erasmo Braga o curso da história do protestantismo brasileiro seria outro. É isto o que fica claro quando conhecemos a biografia deste ministro presbiteriano do início do século passado.
Crentes brasileiros estão alarmados com a direção que o protestantismo brasileiro tomou nos últimos anos. Percebe-se com nitidez a falta por parte da igreja de um maior impacto na cultura brasileira como um todo. O protestantismo brasileiro não tem sabido salvar o povo brasileiro do Brasil. Nossa evangelização por estar diluída demais não tem sido eficaz para libertar os brasileiros das amarras culturais que os escravizam. Pessoas aparentemente se convertem e permancem brasileiras naquilo do que devem procurar se livrar da cultura nacional. Poderíamos apresentar inúmeros exemplos. A despreocupação com a educação, a falta de senso de justiça social, a imoralidade, o baixo nível intelectual dos pastores, a impontualidade, a ausência de preocupação com planejamento e o pequeno impacto em missões que parece apontar para uma cultura eivada de um espírito de nação colônia.
Nos últimos anos crentes de todas as nações têm sido conclamados a cumprir em todos os seus aspectos constitutivos a missão da qual Deus incumbiu a sua igreja. Seríamos infiéis para com a história da igreja se negassemos que de uma certa forma sempre houve uma preocupação com evangelização e ação social por parte da igreja:
O grande Despertameno na América do Norte, o Movimento Pietista na Alemanha e o Reavivamento Evangélico na Inglaterra, nos dias dos irmãos Wesley, todos eles ocorridos nas primeiras décadas do século XVIII, foram um grande incentivo tanto para a filantropia quanto para a evangelização.[1]
Com a chegada do chamado evangelho social em fins do século XIX e início do século XX, teólogos confundiram “o reino de Deus com a civilização cristã em geral, e com a democracia social em particular, e começaram a pensar que , através de seus programas sociais, poderiam construir o reino de Deus na terra”.[2] Isto levou os autores do Pacto de Lausanne (Congresso realizado por evangélicos em 1974 na cidade de Lausanne na Suiça) a formularem a seguinte resposta aos proponentes do evangelho social: “Nós rejeitamos como sendo apenas o sonho da vaidade humana a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia nesta terra”.[3] Óbviamente com o advento da pregação meramente social por parte da teologia liberal grande parte da igreja foi levada a cair num extremo oposto que representou um divórcio entre evangelização e responsabilidade social. O pacto supra representa uma tentativa de unir o que não pode ser separado de forma alguma e de modo especial pelos crentes Latinos-Americanos. Conforme foi ressaltado na consulta feita em Grand Rapids sobre a relação entre a evangelização e a responsabilidade social: “A ação social é uma consequencia da evangelização. Ou seja, a evangelização é um meio pelo qual Deus produz nas pessoas um novo nascimento; e esta nova vida se manifesta no serviço prestado aos outros”.[4]
Erasmo Braga conforme nos mostra o Dr. Alderi S. Matos foi um homem profundamente preocupado com a missão integral da igreja no Brasil. Esta, no seu sonho, deveria ser levada a efeito mediante uma ampla conjugação de esforços entre os membros das mais diferentes denominações evangélicas brasileiras. Diz o Dr. Alderi:
Em última análise, o fato mais importante sobre Erasmo Braga foi o alvo que ele colocou diante da comunidade protestante do Brasil e incorporou na sua vida e obra, a visào de uma igreja que, sem negar o seu caráter distintivo e o seu compromisso central com Cristo e com a fé reformada e evangélica, também estivesse disposta a envolver-se com a comunidade mais ampla, sendo uma presença construtiva e transformadora na sociedade. O atual estado do relacionamento entre as igrejas evangélicas e a sociedade brasileira é uma clara indicação de que a visão de Erasmo Braga ainda aguarda o seu cumprimento.[5]
O meu alvo é mostrar como Erasmo Braga procurou cumprir em seu ministério pastoral o alto chamado feito por Cristo à sua igreja: pregar o evangelho todo, para todo homem e para o homem todo.
II. A VIDA DE ERASMO BRAGA
Erasmo Braga filho de pai português nasceu em 23 de abril de 1877 na cidade de Rio Claro no estado de São Paulo. Sua vida pode ser dividida em três fases: (a) o período de formação que terminou com a conclusão dos seus estudo teológicos (1877-1898); (b) os anos dedicados principalmente à Igreja Presbiterina do Brasil (1898-1920); (c) seu envolvimento com a cooperação interdenominacional tanto no Brasil quanto no exterior (1920-1932).[6]
Sua vida foi marcada pela influência dos missionários norte-americanos pelos quais lhe foi legado o amor pela democracia e pedagogia e cultura americana. Seu pai fora auxiliado em seus estudos pelo Reverendo Alexander L. Blackford, missionário americano que pastoreava a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Tempos mais tarde já morando em São Paulo João Ribeiro de Carvalho Braga, pai de Erasmo Braga deu proseguimento aos seus estudos e lecionou no Colégio Morton e na Escola Americana, onde concluiu sua formação teológica. Como nos lembra o Dr. Alderi:
Esse primeiro período de residência em São Paulo colocou a família Braga sob a influência direta de alguns dos mais notáveis missionários presbiterianos norte-americanos que trabalharam no Brasil e das instituições religiosas e educacionais fundadas por eles.[7]
Durante a sua infância algo de profundamente significativo aconteceu no cenário nacional. O império perdeu o apoio da igreja católica, dos proprietários rurais e das forças armadas, culminando com a proclamação da república em 15.11.1889. Com o advento da república houve a separação entre a igreja e o estado, a igreja católica perdeu o status de religião oficial do estado e as igreja protestantes obtiveram plena liberdade de culto. Diz Júlio Andrade Ferreira:
Quanto ao universo da idéias, a transição do século XVIII para o XIX, e a passagem do Brasil colônia para o Brasil independente, é significativa por todos os ângulos. A instalação da imprensa, a entrada de livros, a publicação de jornais, a abertura de escolas, embora não alcançando miraculosamente a massa populacional, atingiu a área da liderança. O Brasil continuou católico, sim; mas de um catolicismo jansenista, menos tridentino...[8]
Com apenas 15 anos de idade, Erasmo Braga sentindo-se chamado para o ministério matriculou-se no Instituto Teológico (1893) na cidade de São Paulo nas instalações da Primeira Igreja Presbiteriana. Erasmo foi aceito formalmente pelo Presbitério de São Paulo como canditato ao ministério em outubro de 1894. Poucos meses depois, tornou-se aluno do Seminário Presbiteriano com a transferência deste de Friburgo (RJ) para São Paulo e sua fusão com o Instituto Teológico. Em 1987 Erasmo foi licenciado pelo presbitério. No dia 5 de setembro de 1989, Erasmo foi ordenado pelo Presbitério do Rio de Janeiro, sendo-lhe confiada a igreja de Niterói.
Erasmo em 1899 tornou-se um dos fundadores de O Puritano. Sendo um dos editores do jornal Erasmo escreveu artigos que revelaram suas principais preocupações. Entre elas a influência católica na cultura brasileira sendo vista por ele como um verdadeira ameaça ao progresso. Graças a liberdade recém conquistada esta questão espinhosa recebeu claro tratamento de Erasmo Braga. É impossível estudar a história de Portugal, Espanha e América Latina sem deplorar os efeitos deletérios do Catolicismo Romano. Como atesta David Landes:
...quando se compara a efervescência e a diversidade inglesas com a ortodoxia da Contra-Reforma e os entusiasmos supersticiosos de Portugal e Espanha, o poder das idéias e inciativas na América do Norte em contraste com os descontentes nos domínios espanhóis e portugueses, fica mais fácil entender o resultado político.[9]
Em 1901 Erasmo mudou-se para São Paulo. Nesta fase os principais acontecimentos de sua vida foram: o exercício da docência no Seminário Presbiteriano onde lecionava nove matérias; a publicação do seu primeiro livro, Glossário Hebreu-Português; a criação de uma entidade interdenominacional que representaria uma aliança evangélica com o propósito de promover o protestantismo através de pregações ao ar livre e distribuição de literatura. Em 1902 Erasmo Braga teve participação ativa no Sínodo que que tratou da questão da maçonaria na Igreja Presbiteriana. Atuando como secretário ao lado do seu pai que exerceu a função de moderador, Erasmo Braga deu paracer favorável à decisão do Sínodo de não condenar a filiação de presbiterianos à maçonaria o que representou a primeira divisão da história do presbiterianismo brasileiro.
Em 1907 com o seminário presbiteriano transferido de São Paulo para Campinas, Erasmo Braga assumiu a função de deão. Em Campinas ele deu aula de Antigo Testamento, hebraico, homilética, história da igreja, química, história natural e música. Nesta nova fase do seminário Erasmo começou a publicar o periódico A Reforma. Entre 1909 e 1910 Erasmo foi convidado para ser um dos fundadores da Academia de Letras de São Paulo e lançou a obra que lhe granjeou maior popularidade do que qualquer outra, uma série de cartilhas para as quatro séries primárias. A chamada Série Braga.
A Conferência de Edimburgo (1910) e o Congresso do Panamá (1916) exerceram significativa influência na vida de Erasmo Braga. A primeira na opinião do historiador da Universidade Yale (EUA) Kenneth Scott Latourette “foi a mais notável na sucessão de assembléias internacionais” e autora de duas organizações: a Conferência Mundial sobre Fé e Ordem, e o Conselho Cristão Universal pela Vida e Obra, os dois corpos que, depois de 1914, se uniram para formar o Conselho Mundial de Igrejas.[10] O Congresso do Panamá tornou-se polêmico no cenário do protestantismo brasileiro. Seguindo as diretrizes da Conferência de Edimburgo os congressitas não entediam que a América Latina deveria ser considerada pagã. Como nos lembra Antônio Gouvêa Mendonça:
O congresso, à semelhança do anterior realizado em Edimburgo, abriu a discussão do problema das relações com a igreja católica, sendo o clima geral do congresso, ao contrário, de cooperação entre todas as igrejas protestantes e com a esperança de conseguir a da própria igreja católica....A América Latina continuava sendo considerada pelas missões protestantes anglo-saxônicas como cristã.[11]
Seu ministério já sob ambas as influências concentrou-se de uma forma especial na cooperação entre os protestantes brasileiros. Erasmo passou a defender a criação de um seminário interdenominacional. Cria que este seminário ofereceria a única oportunidade para se preparar um ministério altamente qualificado e capaz de dialogar com os brasileiros cultos. O Seminário Unido passou a ser o seu sonho.
Em 1920, após ter passado vinte anos em São Paulo Erasmo Braga retornou à Niterói. Erasmo tornou-se secretário em tempo integral da Comissão Brasileira de Cooperação. Neste período Erasmo veio a ser o grande líder da cooperação evangélica no Brasil e o primeiro evangélico brasileiro a ser amplamente conhecido nos círculos missionários e ecumênicos internacionais.
O Dr. Alderi vê o último ano completo da vida de Eramos Braga (1931) como gratificante. A Comissão Brasileira de Cooperação havia se tornado uma organização sólida e respeitada, com uma notável folha de serviços prestados à comunidade evangélica e à sociedade mais ampla. Em fevereiro de 1931, ocorreu aquilo que veio a ser considerado por Erasmo Braga uma das maiores realizações da sua vida: a criação da Federação de Igrejas Evangélicas, com delegados das cinco denominações representadas na CBC. Erasmo declarou que o objetivo específico da nova organização seria promover a unidade moral do protestantismo brasileiro e representá-lo como um todo diante do governo e do país.
No início de 1932 Erasmo viu o sonho do Seminário Unido ruir. Problemas financeiros e falta de apoio das igrejas deram fim a um trabalho que consumiu catorze anos da vida de Erasmo Braga. No dia 11 de maio de 1932 o Reverendo Erasmo Braga falecia em Niterói vítima de uma pneumonia seguida de uma malária.
Recentemente o Dr. Alderi S. Matos professor de História da Igreja do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper apresentou ao mundo acadêmico brasileiro e norte-americano a vida do Reverendo Erasmo Braga. Trata-se de uma tese de doutorado. Sua obra revela entre outras coisas que no ínicio do século passado já havia no Brasil um ministro preocupado com o cumprimento da missão integral da igreja. Alguém que ansiava por ver os valores do protestantismo histórico se espalhando por todo o país concomitantemente a uma ampla obra de evangelização. Se mais ministros neste país nos dias de hoje tivessem as preocupações de Erasmo Braga o curso da história do protestantismo brasileiro seria outro. É isto o que fica claro quando conhecemos a biografia deste ministro presbiteriano do início do século passado.
Crentes brasileiros estão alarmados com a direção que o protestantismo brasileiro tomou nos últimos anos. Percebe-se com nitidez a falta por parte da igreja de um maior impacto na cultura brasileira como um todo. O protestantismo brasileiro não tem sabido salvar o povo brasileiro do Brasil. Nossa evangelização por estar diluída demais não tem sido eficaz para libertar os brasileiros das amarras culturais que os escravizam. Pessoas aparentemente se convertem e permancem brasileiras naquilo do que devem procurar se livrar da cultura nacional. Poderíamos apresentar inúmeros exemplos. A despreocupação com a educação, a falta de senso de justiça social, a imoralidade, o baixo nível intelectual dos pastores, a impontualidade, a ausência de preocupação com planejamento e o pequeno impacto em missões que parece apontar para uma cultura eivada de um espírito de nação colônia.
Nos últimos anos crentes de todas as nações têm sido conclamados a cumprir em todos os seus aspectos constitutivos a missão da qual Deus incumbiu a sua igreja. Seríamos infiéis para com a história da igreja se negassemos que de uma certa forma sempre houve uma preocupação com evangelização e ação social por parte da igreja:
O grande Despertameno na América do Norte, o Movimento Pietista na Alemanha e o Reavivamento Evangélico na Inglaterra, nos dias dos irmãos Wesley, todos eles ocorridos nas primeiras décadas do século XVIII, foram um grande incentivo tanto para a filantropia quanto para a evangelização.[1]
Com a chegada do chamado evangelho social em fins do século XIX e início do século XX, teólogos confundiram “o reino de Deus com a civilização cristã em geral, e com a democracia social em particular, e começaram a pensar que , através de seus programas sociais, poderiam construir o reino de Deus na terra”.[2] Isto levou os autores do Pacto de Lausanne (Congresso realizado por evangélicos em 1974 na cidade de Lausanne na Suiça) a formularem a seguinte resposta aos proponentes do evangelho social: “Nós rejeitamos como sendo apenas o sonho da vaidade humana a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia nesta terra”.[3] Óbviamente com o advento da pregação meramente social por parte da teologia liberal grande parte da igreja foi levada a cair num extremo oposto que representou um divórcio entre evangelização e responsabilidade social. O pacto supra representa uma tentativa de unir o que não pode ser separado de forma alguma e de modo especial pelos crentes Latinos-Americanos. Conforme foi ressaltado na consulta feita em Grand Rapids sobre a relação entre a evangelização e a responsabilidade social: “A ação social é uma consequencia da evangelização. Ou seja, a evangelização é um meio pelo qual Deus produz nas pessoas um novo nascimento; e esta nova vida se manifesta no serviço prestado aos outros”.[4]
Erasmo Braga conforme nos mostra o Dr. Alderi S. Matos foi um homem profundamente preocupado com a missão integral da igreja no Brasil. Esta, no seu sonho, deveria ser levada a efeito mediante uma ampla conjugação de esforços entre os membros das mais diferentes denominações evangélicas brasileiras. Diz o Dr. Alderi:
Em última análise, o fato mais importante sobre Erasmo Braga foi o alvo que ele colocou diante da comunidade protestante do Brasil e incorporou na sua vida e obra, a visào de uma igreja que, sem negar o seu caráter distintivo e o seu compromisso central com Cristo e com a fé reformada e evangélica, também estivesse disposta a envolver-se com a comunidade mais ampla, sendo uma presença construtiva e transformadora na sociedade. O atual estado do relacionamento entre as igrejas evangélicas e a sociedade brasileira é uma clara indicação de que a visão de Erasmo Braga ainda aguarda o seu cumprimento.[5]
O meu alvo é mostrar como Erasmo Braga procurou cumprir em seu ministério pastoral o alto chamado feito por Cristo à sua igreja: pregar o evangelho todo, para todo homem e para o homem todo.
II. A VIDA DE ERASMO BRAGA
Erasmo Braga filho de pai português nasceu em 23 de abril de 1877 na cidade de Rio Claro no estado de São Paulo. Sua vida pode ser dividida em três fases: (a) o período de formação que terminou com a conclusão dos seus estudo teológicos (1877-1898); (b) os anos dedicados principalmente à Igreja Presbiterina do Brasil (1898-1920); (c) seu envolvimento com a cooperação interdenominacional tanto no Brasil quanto no exterior (1920-1932).[6]
Sua vida foi marcada pela influência dos missionários norte-americanos pelos quais lhe foi legado o amor pela democracia e pedagogia e cultura americana. Seu pai fora auxiliado em seus estudos pelo Reverendo Alexander L. Blackford, missionário americano que pastoreava a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Tempos mais tarde já morando em São Paulo João Ribeiro de Carvalho Braga, pai de Erasmo Braga deu proseguimento aos seus estudos e lecionou no Colégio Morton e na Escola Americana, onde concluiu sua formação teológica. Como nos lembra o Dr. Alderi:
Esse primeiro período de residência em São Paulo colocou a família Braga sob a influência direta de alguns dos mais notáveis missionários presbiterianos norte-americanos que trabalharam no Brasil e das instituições religiosas e educacionais fundadas por eles.[7]
Durante a sua infância algo de profundamente significativo aconteceu no cenário nacional. O império perdeu o apoio da igreja católica, dos proprietários rurais e das forças armadas, culminando com a proclamação da república em 15.11.1889. Com o advento da república houve a separação entre a igreja e o estado, a igreja católica perdeu o status de religião oficial do estado e as igreja protestantes obtiveram plena liberdade de culto. Diz Júlio Andrade Ferreira:
Quanto ao universo da idéias, a transição do século XVIII para o XIX, e a passagem do Brasil colônia para o Brasil independente, é significativa por todos os ângulos. A instalação da imprensa, a entrada de livros, a publicação de jornais, a abertura de escolas, embora não alcançando miraculosamente a massa populacional, atingiu a área da liderança. O Brasil continuou católico, sim; mas de um catolicismo jansenista, menos tridentino...[8]
Com apenas 15 anos de idade, Erasmo Braga sentindo-se chamado para o ministério matriculou-se no Instituto Teológico (1893) na cidade de São Paulo nas instalações da Primeira Igreja Presbiteriana. Erasmo foi aceito formalmente pelo Presbitério de São Paulo como canditato ao ministério em outubro de 1894. Poucos meses depois, tornou-se aluno do Seminário Presbiteriano com a transferência deste de Friburgo (RJ) para São Paulo e sua fusão com o Instituto Teológico. Em 1987 Erasmo foi licenciado pelo presbitério. No dia 5 de setembro de 1989, Erasmo foi ordenado pelo Presbitério do Rio de Janeiro, sendo-lhe confiada a igreja de Niterói.
Erasmo em 1899 tornou-se um dos fundadores de O Puritano. Sendo um dos editores do jornal Erasmo escreveu artigos que revelaram suas principais preocupações. Entre elas a influência católica na cultura brasileira sendo vista por ele como um verdadeira ameaça ao progresso. Graças a liberdade recém conquistada esta questão espinhosa recebeu claro tratamento de Erasmo Braga. É impossível estudar a história de Portugal, Espanha e América Latina sem deplorar os efeitos deletérios do Catolicismo Romano. Como atesta David Landes:
...quando se compara a efervescência e a diversidade inglesas com a ortodoxia da Contra-Reforma e os entusiasmos supersticiosos de Portugal e Espanha, o poder das idéias e inciativas na América do Norte em contraste com os descontentes nos domínios espanhóis e portugueses, fica mais fácil entender o resultado político.[9]
Em 1901 Erasmo mudou-se para São Paulo. Nesta fase os principais acontecimentos de sua vida foram: o exercício da docência no Seminário Presbiteriano onde lecionava nove matérias; a publicação do seu primeiro livro, Glossário Hebreu-Português; a criação de uma entidade interdenominacional que representaria uma aliança evangélica com o propósito de promover o protestantismo através de pregações ao ar livre e distribuição de literatura. Em 1902 Erasmo Braga teve participação ativa no Sínodo que que tratou da questão da maçonaria na Igreja Presbiteriana. Atuando como secretário ao lado do seu pai que exerceu a função de moderador, Erasmo Braga deu paracer favorável à decisão do Sínodo de não condenar a filiação de presbiterianos à maçonaria o que representou a primeira divisão da história do presbiterianismo brasileiro.
Em 1907 com o seminário presbiteriano transferido de São Paulo para Campinas, Erasmo Braga assumiu a função de deão. Em Campinas ele deu aula de Antigo Testamento, hebraico, homilética, história da igreja, química, história natural e música. Nesta nova fase do seminário Erasmo começou a publicar o periódico A Reforma. Entre 1909 e 1910 Erasmo foi convidado para ser um dos fundadores da Academia de Letras de São Paulo e lançou a obra que lhe granjeou maior popularidade do que qualquer outra, uma série de cartilhas para as quatro séries primárias. A chamada Série Braga.
A Conferência de Edimburgo (1910) e o Congresso do Panamá (1916) exerceram significativa influência na vida de Erasmo Braga. A primeira na opinião do historiador da Universidade Yale (EUA) Kenneth Scott Latourette “foi a mais notável na sucessão de assembléias internacionais” e autora de duas organizações: a Conferência Mundial sobre Fé e Ordem, e o Conselho Cristão Universal pela Vida e Obra, os dois corpos que, depois de 1914, se uniram para formar o Conselho Mundial de Igrejas.[10] O Congresso do Panamá tornou-se polêmico no cenário do protestantismo brasileiro. Seguindo as diretrizes da Conferência de Edimburgo os congressitas não entediam que a América Latina deveria ser considerada pagã. Como nos lembra Antônio Gouvêa Mendonça:
O congresso, à semelhança do anterior realizado em Edimburgo, abriu a discussão do problema das relações com a igreja católica, sendo o clima geral do congresso, ao contrário, de cooperação entre todas as igrejas protestantes e com a esperança de conseguir a da própria igreja católica....A América Latina continuava sendo considerada pelas missões protestantes anglo-saxônicas como cristã.[11]
Seu ministério já sob ambas as influências concentrou-se de uma forma especial na cooperação entre os protestantes brasileiros. Erasmo passou a defender a criação de um seminário interdenominacional. Cria que este seminário ofereceria a única oportunidade para se preparar um ministério altamente qualificado e capaz de dialogar com os brasileiros cultos. O Seminário Unido passou a ser o seu sonho.
Em 1920, após ter passado vinte anos em São Paulo Erasmo Braga retornou à Niterói. Erasmo tornou-se secretário em tempo integral da Comissão Brasileira de Cooperação. Neste período Erasmo veio a ser o grande líder da cooperação evangélica no Brasil e o primeiro evangélico brasileiro a ser amplamente conhecido nos círculos missionários e ecumênicos internacionais.
O Dr. Alderi vê o último ano completo da vida de Eramos Braga (1931) como gratificante. A Comissão Brasileira de Cooperação havia se tornado uma organização sólida e respeitada, com uma notável folha de serviços prestados à comunidade evangélica e à sociedade mais ampla. Em fevereiro de 1931, ocorreu aquilo que veio a ser considerado por Erasmo Braga uma das maiores realizações da sua vida: a criação da Federação de Igrejas Evangélicas, com delegados das cinco denominações representadas na CBC. Erasmo declarou que o objetivo específico da nova organização seria promover a unidade moral do protestantismo brasileiro e representá-lo como um todo diante do governo e do país.
No início de 1932 Erasmo viu o sonho do Seminário Unido ruir. Problemas financeiros e falta de apoio das igrejas deram fim a um trabalho que consumiu catorze anos da vida de Erasmo Braga. No dia 11 de maio de 1932 o Reverendo Erasmo Braga falecia em Niterói vítima de uma pneumonia seguida de uma malária.
III. A MISSÃO INTEGRAL NO MINISTÉRIO DE ERASMO BRAGA
A biografia de Erasmo Braga nos apresenta um ministro pessoalmente envolvido com a missão integral da igreja. Seu ministério cobriu um amplo campo de atividades bastante diversificadas e que inserem-se no chamado missionário integral da igreja de Cristo. Gostaria de apresentar parte destas múltiplas atividades que nos ajudarão a construir o perfil ministerial de um homem que no início do século passado deixou um testemunho de envolvimento holístico com a obra de Cristo.
A Inserção na Cultura Brasileira do Ministério de Erasmo Braga
Podemos ver a penetração do ministério de Erasmo Braga na sociedade e cultura
brasileiras sob o ponto de vista do serviço social e da ação social seguindo a clássica diferenciação feita no Congresso de Lausanne, Suiça em 1974. Lausanne tratou de apresentar a diferença entre as obras de misericórdias e as obras de mudanças estruturais profundas. A primeira podendo ser representada por levar sabonete para detentos de um presídio qualquer, a segunda podendo ser representada pela mudança do sistema carcerário. É fato fora de controvérsia que a igreja deve se envolver com ambas as coisas. Diz assim o Pacto de Lausanne: “Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão”.[12]
Erasmo Braga foi um ministro que não conseguia separar o serviço social da ação social. Podemos constatar este fato em primeiro lugar falando do seu envolvimento com obras de misericórdia que visavam não propriamente mudar a cultura, mas cuidar de pobres miseráveis que não podiam esperar por uma sociedade na sua estrutura mais justa. Não é à toa que o Novo Testamento recomenda a prática de dar esmola.
Em 1900 na cidade de Sorocaba houve um surto de febre amarela que matou dezenas de pessoas. Erasmo trabalhando como membro da defesa civil fazendo as vezes de enfermeiro auxiliou a população em geral o que foi amplamente reconhecido pela sociedade daquela cidade. Ele esteve entre os fundadores da Maternidade de Campinas e da Defesa Civil daquela cidade. Envolveu-se em 1908 numa campanha em prol dos indígenas. Em 1922 Erasmo dedicou-se à uma campanha contra o alcoolismo. Em 1931 Erasmo foi nomeado com dois outros homens de destaque para organizar a filial da Cruz Vermelha no Rio de Janeiro.
Estaria Erasmo Braga preocupado com mudanças estruturais mais amplas em seu ministério pastoral? Ele se considerava alguém de idéias liberais e democráticas, adepto da pedagogia americana e observador e estudante de vários aspectos da vida nacional. No seu livro Pan-Americanismo: Aspecto Religioso Erasmo aponta para as principais influências que recebeu em sua vida:
O ponto de vista é o de um cristão sul-americano, que recebeu desde a infância o influxo do evangelismo, das idéias liberais e democráticas professadas por seus pais, e que, tendo convivido com anglo-americanos por muitos anos, associado como discípulo e como professor à obra da implantação, no Brasil, dos métodos práticos da pedagogia americana, membor do magistério oficial secundário do Estado de São Paulo, observador e estudante dos aspectos variados da vida nacional como jornalista.[13]
Diz o Dr. Alderi:
...houve a influência dos missionários americanos, que despertarm nele uma profunda admiração pelos Estados Unidos e pela cultura anglo-saxônica. Ele impressionou-se com os grandes benefícios que os missionários estavam trazendo para o Brasil através da sua mensagem evangélica, sua ênfase à educação e seus valores éticos e espirituais.[14]
Sua própria formação educacional nos ajuda a entender este seu encanto pelos valores da cultura americana. Foram os missionários americanos que ajudaram a forjar seu caráter. Em 30 de setembro de 1916 Erasmo escreveu um artigo para a Revista do Centro de Sciencias, Letras e Artes onde reconhece a inestimável contribuição dos missionários americanos para a educação brasileira:
O grande colégio americano de Campinas é, de facto, o marco histórico do contacto intellectual e espiritual do elemento saxônio com o latino em nosso continente, no terrno da instrução... na história da pedagogia, no Brasil, marca também o instituto campineiro a era em que as idéias fecundas de Mann e a disciplina e os méthodos escolares norte-americanos começaram definitivamente a influir no ensino público e particular na América Latina.[15]
Outra influência fortíssima foi do seu próprio pai que envolvera-se com várias atividades políticas, sociais e educacionais. O advento do evangelho social exerceu grande impacto sobre a sua vida também. Em seu livro Pan-Americanismo Erasmo cita o que foi ensinado no Congresso do Panamá e que foi encarnado por ele:
O objetivo do ensino evangélico é não somente a obtenção de uma salvação pessoal, mas também a manifestação de patriotismo, o amor do próximo, o desejo de empregar todo e qualquer esforço pessoal e movimentos concertados, que tendam a purificar de fraude a vida política, de crueldade a vida industrial, de desonestidade a vida comercial, de vícios e depravação todas as relações sociais.[16]
O que nos leva a constatar que apesar desta influência Erasmo nunca deixou de se preocupar com a principal missão da igreja que é a evangelização.
Como profeta Erasmo reagiu aos movimentos e ideologia do seu tempo. O Dr. Alderi ressalta que ele se opôs ao clericalismo. Nos seus editoriais do jornal O Puritano fazia pesadas críticas à igreja católica, vista como uma inimiga da liberdade e uma ameaça à soberania nacional e ao progresso. Combateu a falta de equidade na remuneração do trabalhador: “Vós mesmos cristãos que me ouvis, tendes tido nas vossas oficinas operários cujo salário está fixo apenas na quantia precisa que torna possível ao trabalhador viver e reproduzir”.[17] Veja um dos absurdos que denunciou na ética dos latinos-americanos:
A maioria dos latinos-americanos tem como necessária a prostituição e como justificável a quebra da castidade por parte do homem, o quanto a consciencia pública condena irremissivelmente a mulher decaída. A unificação do padrào moral para os dois sexos é uma das grandes contribuições do evangelismo para a vida mmoral do continente, na zona de influência das igrejas evangélicas.[18]
Sua influência deu-se de modo especial nas muitas oportunidades que teve de escrever regularmente para jornais nacionais. No Rio de Janeiro enviou artigos para diversos jornais, tais como A Notícia, O Dia, O País e Eco Fonográfico. Entre 1902 e 1909 redigiu para o Correio Paulistano.
Em 1903 fundou com alguns intelectuais paulistas a Sociedade Científica de São Paulo e foi convidado para integrar a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. Fora isto trabalhou como tradutor, traduzindo para o português preciosas obras tais como algumas novelas inglesas e a Confissão de Fé da Guanabara escrita pelos calvinistas que foram martirizados no Rio de Janeiro em 1558. Em 1909 ele foi convidado para ser um dos membros fundadores da Academia de Letras de São Paulo.
Como apaixonado pela educação tanto teológica quanto secular, Erasmo trabalhou como professor de inglês do ginásio em Campinas e em 1910 produziu a obra que lhe conferiu maior popularidade, uma séria de cartilhas para as quatro séries da escola primária chamada Série Braga. Esta obra continuou sendo impressa por mais de quarenta anos atingindo mais de cem edições. No seu opúsculo Os Objetivos da Educação Popular ele é levado a dizer: “Sob a treva do analphabetismo, o espírito humano é facilmente presa da tirania política e espiritual. A instrução popular é, ao mesmo tempo, obra de higiene pública, de elevação moral e de libertação espiritual e política”.[19] Atacava frontalmente o sistema educacional brasileiro: “A escola tem sido a porta pela qual os pais ambiciosos impelem os filhos a fugir da oficina, da lavoura, do trabalho, para a vida mais cômoda das carreiras liberais”.[20] E propunha o seguinte remédio: “À escola da verdadeira educação popular incumbe a grande missão de restabelecer o prestígio do trabalho, criando o operário apto, eficiente, cônscio da dignidade de sua missão social”. [21]Aqui vemos a forte ênfase da mensagem dos reformadores na doutrina da vocação.
Erasmo sonhava com a universalização do livro. Via tal obra como um antídoto contra todos os tiranos: “...todos os tiranos, todas as agremiações despóticas, todos os intrujões são inimigos da instrução popular. O povo instruído é livre porque pensa”.[22] Esta literatura, porém deveria ser livre de tudo o que fosse obscuro e dogmático: “São dela banidos os métodos que tornam o discípulo dependente do mestre: o livro obscuro, o ensino dogmático, imposto à razão sem razões claras e intelegíveis”.[23] Ele conclui seu chamado à educação dizendo: “Abram-se escolas, espalhem-se livros: vamos cantando, fortes e felizes e sadios, para o trabalho”.[24]
A Evangelização e Edificação da Igreja no Ministério de Erasmo Braga
Não há como se discutir o fato de que Erasmo Braga ansiava por um Brasil impregnado pelos valores da cultura dos países protestantes. Ele era um crítico da nossa cultura. Grandes também eram as suas diferenças com a herança católica que o Brasil herdara. Em Do Cesto da Gávea, obra que relata uma viagem sua feita à Europa em 1924 Erasmo Braga ao passar por Portugal não deixa de ressaltar que ao chegar lá de uma certa forma compreendeu porque o Brasil era o Brasil. Via Portugal enfrentado os mesmos males que o Brasil enfrentava, o que ele atribuía “as funestas instituições políticas e religiosas que arrebataram de uma raça nobre e energica seus altos e nobres privilégios”.[25] O contraste marcante entre Portugal e Inglaterra recebe sua consideração:
que fortes impressões colhe o protestante sul-americano ao atravessar a Inglaterra! A noção de ordem, o alinhamento das sementeiras, o tráfego intenso, mas tranquilo, vida urbana bem oraganizada, e por toda a parte as flexas dos templos ou a torre típica das catedrais normando-góticas denotando a influencia que a religião evangélica teve e tem no desenvolvimento da civilizaçao anlgo-saxônica.[26]
Tudo o que acabamos de ver acima nos leva a crer que uma parte considerável do seu tempo ministerial foi consagrada a meta de trazer acima de tudo os valores cristãos experimentados pelos países protestantes para a sociedade brasileira. E não temos o direito de dizer que suas declarações tratavam-se do deslumbramento de um cidadão do terceiro mundo com um país de primeiro mundo. A grande teólogo holandes Abraham Kuyper reconhece as bênçãos colhidas pelas nações por onde especialmente o Calvinismo passou:
Lembre que somente pelo Calvinismo o salmo de liberdade encontrou seu caminho da consciência perturbada para os lábios; que ele tem conquistado e garantido para nós nossos direitos civis constitucionais; e que, simultaneamente a isto, saiu da Europa Ocidental aquele poderoso movimento que promoveu o reavivamento da ciência e da arte, abriu novas avenidas para o comércio e negócios, embelezou a vida doméstica e social, exaltou a classe média a posições de honra, produziu filantropia em abundância, e mais do que tudo isto, elevou, purificou e enobreceu a vida moral pela seriedade puritana.[27]
O notável, contudo, na biografia de Erasmo Braga é ele se deixar influenciar pelo evangelho social sem abandonar de vez a obra de evangelização e o fortalecimento das igrejas protestantes brasileiras. A razão é muito simples e ele a revela numa obra de suma importância, Pan-Americanismo: Aspecto Religioso. Qual era a razão da sua forte ênfase evangelística? Para Erasmo era evidente o contraste entre os povos católicos e os protestantes. Os últimos muito mais desenvolvidos do que os primeiros. Fora as questões de natureza soteriológica, para Erasmo a evangelização da América Latina tinha uma íntima conexão com as necessárias transformações conjunturais pelas quais o continente carecia de passar:
A história política da América saxônica e seu desenvolvimento social são inseparáveis dos princípios religiosos que presidiram ao berço da grande democracia. E, muito mais que a raça e o ambiente, a diferença de religião explica, não só no Novo Continente como também no Velho, como certos povos têm levado vantagem a outros na organização de sua vida nacional, nas aspirações superiores da alma popular, na compreensão e inteligência do Direito e das liberdades civis, na instrução pública generalizada, na eliminação de males sociais, e em certa superioridade de padrão moral, a despeito de tudo o que se possa arguir contra casos individuais de corrupção e contra certos aspectos repugnantes da vida coletiva, inseparáveis das imperfeições humanas.[28]
Erasmo via como condição indispensável para a penetração plena da fé protestante na vida nacional como um todo a melhor formação dos ministros brasileiros. Parace que ele foi levado a compreender o que Richard Baxter percebeu como a maior necessidade da Inglaterra dos seus dias: ministros melhor preparados. Esta foi a grande razão pela qual escreveu o seu clássico O Pastor Reformado:
Bem sei, e não duvido, que há grande desigualdade nas habilidades ministeriais, e que muitos lugares têm ministros destituídos das qualidades de interesse persuasivo e dons dinâmicos. Alguns têm que ser toloerados, pela necessidade da igreja, embora exerçam fraco impacto sobre o mundo e sobre os ignorantes. E outros, conquantos doutos e capazes, talvez não sirvam para lidar com gente simples...Suponho que, se vocês examinarem bem todo o ministério de um condado, não acharão tantos pregadores vigorosos e convincentes como gostaríamos de ter.[29]
Pelo mesmo motivo Erasmo se envolveu de corpo e alma com a docência no Seminário Presbiteriano e no Unido.
Seu envolvimento na aliança evangélica feita entre metodistas, batistas e presbiterianos ressalta seu interesse não apenas pela unidade da igreja, mas por uma grande conjugação de esforços entre os protestantes a fim de que o Brasil fosse mais eficazmente evangelizado. Erasmo cria que a evangelização de Portugal e Espanha deveriam ser encaradas como responsabilidades da América Latina: “Os Latinos Americanos são responsáveis não apenas pelo futuro da América Latina, mas pelo futuro do mundo de fala espanhola e de fala portuguesa”.[30]
Em conexão a isto Erasmo Braga viu crescer em seu coração o desejo de criar uma instituição de ensino que pudesse melhor preparar os ministros da grandes denominações protestantes do Brasil. Nos seus dias ele já podia ver os sinais de descontentamento entre os crente com o nível do púlpito: “Existem sinais de descontentamento com o tipo prevalecente de adoração pública e intelectualismo raso no púlpito”.[31] O Seminário Unido passou a ser o grande sonho de Erasmo Braga. Ele acreditava que este seminário poderia servir para preparar os pastores brasileiros para um diálogo com os brasileiros cultos. Em suma esta era a sua convicção: “Seminários bem equipados e escolas de treinamento para trabalhadores cristãos deveriam ser o alvo supremo do trabalho missionário no Brasil”.[32]
Erasmo preocupou-se com a formação do povo evangélico brasileiro também. Em 1921 como secretário executivo da Comissão Brasileira de Cooperação começou a escrever o Livro do Professor que visava ajudar nas classes de Escola Dominical do Brasil. E poderíamos citar outros periódicos mais para os quais Erasmo escreveu regularmente e que muito contribuíram para a edificação da igreja no Brasil. Num livro em que ele procura apresentar um quadro acurado da situação espiritual do Brasil, Erasmo revela ver como essencial para a evangelização do país a educação cristã na vida daqueles que tem sido alcançados pelo evangelho.[33] Ele sofria ao ver a pequena ajuda que a Escola Dominical propiciava ao povo brasileiro: “Inadequadas Escolas Dominicais oferendo um trabalho semanal de meia hora de aula no ensino religioso tem sido o único corretivo para a esocla pública leiga”.[34]
Vale a pena destacar que Erasmo Braga morreu exercendo a função de pastor da Igreja Presbiteriana de Niterói. E já no final da sua vida escreveu The Republic of Brazil: A Survay of the Religious Situation. Foi sua principal obra literária. Visava apresentar um quadro acurado do protestantismo brasileiro e chamar a atenção do mundo missionário para as necessidades da obra evangelística na América Latina. Vale a pena concluirmos este estudo apresentando o sonho que norteou todo o seu ministério:
Um dos estimulantes de que necessita o espírito latino na América, e, a nosso ver, o grande elemento de que carece a América Latina para a sua exaltação social e espiritual, é precisamente o Cristianismo que as nações latinas repudiaram com a Contra-Reforma, em troca de uma hierarquia nominalmente cristã.[35]
IV. CONCLUSÃO
À que conclusões chegamos neste pequeno apanhado da vida deste engajado ministro presbiteriano? Poderíamos fazer aplicações de tudo que acabamos de ver à nação como um todo, ao atual estado do protestantismo brasileiro e à vida dos nossos ministros.
A primeira constatação que fazemos é que os problemas que enfrentamos hoje como nação não são nada novos. As crises de Erasmo Braga com o Brasil são as mesmas de todos os crentes que conhecem um mínimo de Bíblia e tem seus olhos abertos para a atual estado da nação. Em Erasmo Braga vemos um brasileiro que soube amar sua pátria, mas sem jamais fechar os olhos para seus vícios e pecados. O Brasil precisa de homens que consigam discernir a escravidão cultural que amarra milhares de brasileiros e que com coragem saibam denunciar as mais diversas manifestações destes males culturais.
O segundo fato que podemos perceber é que certamente Erasmo Braga se assustaria com os resultados do crescimento do protestantismo no Brasil. Infelizmente os resultados colhidos no norte não foram alcançados no sul do continente americano. A igreja americana com todos os seus defeitos fez muitos mais pelos povos do que temos feito. A maior prova disto é o que devemos aos missionários americanos que para o Brasil vieram e conforme acabamos de ver influenciaram a vida de tanta gente. Por que não colhemos os frutos que os Estados Unidos colheram como igreja e como nação? O que houve? Será que certos antropólogos estão certos quando dizem que a religião não é o principal fator que conta para o desenvolvimento econômico e social de um povo? Certamente somos o que pensamos e neste sentido não há como separar progresso de cosmovisão. Sendo assim, como explicar os parcos resultados da inserção do protestantismo na cultura brasileira? Só existe uma explicação. O protestantismo que se espalhou pelo Brasil nos últimos anos não é o protestantismo que Erasmo Braga conheceu. O protestantismo deste preocupava-se com educação, justiça social, Escola Dominical, profetismo, doutrina, missões. Não era xenófobo. Estava aberto para aprender com outros povos. Tinha vivo na memória a Reforma Protestante ocorrida no século XVI. Este tipo de fé jamais se deixaria acorrentar pela cultura brasileira como ocorre nos dias de hoje com a igreja evangélica.
Em terceiro lugar somos confrontados pelo ministério de Erasmo Braga com a mediocridade de nossos ministérios que pouco interesse tem pelo que ocorre do lado de fora da igreja. É possível que ele tenha ido longe demais. Provavelmente seu ministério renderia mais frutos se ele tivesse se concentrado em menos coisas. Mas, era tempo de escassas oportunidades. Escrever para um jornal secular, participar da fundação da Cruz Vermelha, entrar na academia de letras de uma cidade talves fossem oportunidades ímpares de testemunho cristão que não podiam ser desperdiçadas por quem vivia num contexto de tanto preconceito com o movimento protestante.
Sinto que houve uma certa ingenuidade quanto aos resultados do trabalho social da igreja. Sem dúvida que este deve ser feito, mas só a evangelização com a profunda obra de transformação do cerne de todos os males, o coração humano, pode desacorrentar uma nação. Hoje as conquistas sociais das nações do primeiro mundo não tem servido para mudar os padrões morais destas sociedades de uma forma mais profunda.
Percebemos que Erasmo Braga não anteviu os males futuros dos desdobramentos do Congresso do Panamá e o que haveria de ocorrer no mundo cristão através do Concílio Mundial de Igrejas com toda uma proposta de unidade às expensas da verdade. A proposta da Federação Evangélica talves tenha sido uma outra expressão de ingenuidade por parte deste sincero ministro presbiteriano. Se esta unidade não for construída à partir de relacionamentos, dificilmente as diferenças teológicas e o orgulho que nos separam serão vencidos. A AEVB é uma prova cabal deste fato.
Mas, quisera que com seus possíveis defeitos descritos acima tivéssemos no Brasil mais ministros como Erasmo Braga. Homens cultos, amantes da sua tradição e fé e comprometidos com a missão integral da igreja.
BIBLIOGRAFIA
[1] Evangelização e Responsabilidade Social, ABU/Visão Mundial. P. 18.
[2] Ibdem p.18
[3] Ibdem p.18
[4] Ibdem p.19
[5] MATOS, Alderi S. Erasmo Braga e o Movimento Cooperativo Evangélico no Brasil. P.1
[6] MATOS, Alderi S. Erasmo Braga e o Movimento Cooperativo Evangélico no Brasil. P.1. Todos os dados da biografia de Erasmo Bagra forma tirados desta obra. Aqui apresento apenas um resumo com acréscimos históricos quando julgo necessário.
[7] Ibdem p. 3
[8] FERREIRA, Júlio Andrade. Religião no Brasil. LPC Publicações. Campinas 1992. P. 60-61
[9] LANDES, David S. Riqueza e a Pobreza das Nações. Editora Campus. Rio de Janeiro 1998. P. 351.
[10] LATOURETTE, Kenneth Scott. Historia del Cristanismo. Tomo II. Casa Bautista de Publicaciones. 1977. P. 782-783.
[11] MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir. ASTE, São Paulo, 1995. P. 89
[12] John Stott Comenta o Pacto de Lausanne. ABU Editora e Visão Mundial.1983. p.27.
[13] MATOS, Alderi S. Erasmo Braga e o Movimento Cooperativo Evangélico no Brasil. P.1.
[14] Ibdem P.6-7
[15] BRAGA, Erasmo. O Collegio Internacional e seus Fundadores. Revista do Centro de Sciencias, Letras e Artes. 1916. P. 12
[16] BRAGA, Erasmo. Pan-Americanismo: Aspecto Religioso. Nova York: Missionary Education Movement of the United States and Canda, 1916. P. 75.
[17] BRAGA, Erasmo. Religião e Cultura. Editado por Epaminondas melo do Amaral. São Paulo: União Cultural Editora, 1932. P. 94
[18] BRAGA, Erasmo. Pan-Americanismo: Aspecto Religioso. Nova York: Missionary Education Movement of the United States and Canda, 1916. P. 56.
[19] BRAGA, Erasmo. Os Objetivos da Educação Popular. São Paulo: Imprensa Metodista, 1922. P. 7-8
[20] Ibdem
[21] Ibdem
[22] Ibdem
[23] Ibdem
[24] Ibdem
[25] BRAGA, Erasmo. Do Cesto da Gávea. Rio de Janeiro: 1924. P. 6-7
[26] Ibdem
[27] KUYPER, Abraham. Calvinismo. Editora Cultura Cristã. São Paulo, 2002. P. 49.
[28] BRAGA, Erasmo. Pan-Americanismo: Aspecto Religioso. Nova York: Missionary Education Movement of the United States and Canda, 1916. P. 41.
[29] BAXTER, Richard. O Pastor Reformado. PES. São Paulo, 1989. P. 175-176.
[30] BRAGA, Erasmo. The Evangelical Movement in Latin America. Em Report of the Thirty-Fourth Annual Meeting of the Conference of Foreign Mission Boards in Canada and in the United States, held at Atlantic City, New Jersey, January 11-14, 1927, ed. Fennell P. Turner, 317-323. Nova York: Foreign Missions Conference of North America, 1927.
[31] BRAGA, Erasmo. The Replubic of Brazil: A Survey of the Religious Situation. Londres: World Press, 1932. P. 131
[32] Ibdem
[33] Ibdem
[34] Ibdem
[35] BRAGA, Erasmo. Pan-Americanismo: Aspecto Religioso. Nova York: Missionary Education Movement of the United States and Canda, 1916. P. 43.
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